Brasilia Para Pessoas

23
abril
Publicado por Brasília no dia 23 de abril de 2024

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Neste momento de discussão do PPCUB (Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília)1 decidi escrever sobre as áreas verdes tão preciosas nas quadras de Brasília. Pra mim a natureza exuberante é o grande atrativo e diferencial em relação a outras capitais.

Por onde caminho ou pedalo tem aves e flores pra apreciar, frutas pra colher. Avisto curicacas e araras nos trajetos diários. É uma pena que o automóvel avance sobre o verde exuberante. Cada vez mais, calçadas e canteiros são invadidos e se ‘oficializam’ como estacionamentos.

As irregularidades ocorrem na Asa Sul, na Asa Norte, na Esplanada dos Ministérios, em qualquer canto livre. É bem difícil caminhar perto de áreas comerciais por conta da invasão automotiva. Para exemplificar, na 908 Sul as calçadas e os canteiros são invadidos diariamente.

Há outros casos bem peculiares que dificultam a circulação a pé e agridem a escala bucólica e o tombamento da cidade. Em alguns blocos residenciais da Asa Sul até o pilotis (vão livre sob os prédios residenciais, projetado por Lucio Costa) virou estacionamento. Há inclusive cancela para controlar o acesso dos motoristas. Ou seja, carros depositados em vez de crianças brincando embaixo do bloco.

Maus exemplos na Asa Sul: calçada e pilotis invadidos pelos carros.

Por falar em crianças, elas também perderam espaço na Asa Norte. A quadra de esporte virou estacionamento na 105N. Jane Jacobs descreveu bem, no magistral Morte e Vida de Grandes Cidades, a erosão provocada pelos carros: ‘A erosão ocorre como se fossem garfadas – primeiro, em pequenas porções, depois uma grande garfada’. ‘Cada vez mais solo vira estacionamento, para acomodar um número sempre crescente de automóveis quando eles não estão sendo usados.’ Isso ainda nos anos 1960, quando o livro foi publicado.

Quadra de esporte convertida em estacionamento na 105 Norte.

Em pleno século XXI – com as mudanças climáticas e o aquecimento global na ordem do dia – ainda se planeja e se (re)constrói Brasília com base no automóvel. Basta ver os novos túneis e viadutos, as grandes áreas de estacionamento gratuito (formais e irregulares).  

O debate acerca do plano de preservação deveria contemplar as violações corriqueiras às áreas verdes e ao livre caminhar. Na Asa Norte a ponta da quadra comercial da 309N poderia servir de modelo a ser replicado: belas árvores – incluindo um majestoso guapuruvú -, banquinhos, mesinhas, lojas e restaurantes próximos. No oásis de tranquilidade, muitas pessoas se reúnem para conversar e usufruir o espaço público que serve como praça. 

Quadra comercial da 309N: praça arborizada e atrativa para as pessoas.

A situação é bem diferente nas outras quadras comerciais da Asa Norte. Nas quadras 302 e 313 o canteiro verde é pisoteado pelos carros estacionados. Na 311 a ponta da comercial já foi concretada e convertida em vagas para carros há algum tempo. A quadra vizinha (310) segue no mesmo caminho e, recentemente, despejaram brita para facilitar a circulação e o estacionamento dos carros.  

Quadras comerciais da 302N e 310N: invasão automotiva.

Sem dúvida, falta carinho e cuidado com o verde que circunda e embeleza a capital federal. Espero que o bem-intencionado PPCUB ajude na conscientização sobre as áreas verdes tombadas. Tanto a nota técnica do governo, quanto o projeto de lei destacam o ‘sistema de espaços livres e verdes que configura a cidade-parque’ e a ‘livre circulação de pedestres’.

Cheguei a fazer questionamento, via ouvidoria3, sobre a conversão da área verde em estacionamento na comercial da 310 Norte.  A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) foi clara na resposta: ‘a utilização dessa área verde como estacionamento público não é regular e também não é autorizada pelo Governo do Distrito Federal – GDF’. No entanto, faltam ações de fiscalização e, pelo visto, mais um canteiro se oficializou como estacionamento gratuito.

É preciso reforçar a escala bucólica2, com mais áreas verdes, pontos de encontro e convivência. Temos belos exemplos para replicar: além da quadra comercial da 309N com a pracinha na ponta, as quadras residenciais da 315N (com a copa fechada das árvores frondosas) e da 211N (famosa pelo corredor de ipês brancos, que atrai muita gente no período da floração).

Em vez de carros grandões (picapes e SUVs) estacionados em canteiros e pilotis, carrinhos de bebê, crianças, idosos, patinetes e bicicletas circulando livremente pelas quadras. A preservação e revitalização das áreas verdes trará inúmeros benefícios diretos e indiretos na qualidade de vida, na mobilidade, na economia e no turismo.

_____________________________

1 O Governo do Distrito Federal (GDF) apresentou em março o Projeto de Lei Complementar n° 41/2024, que trata do PPCUB. A proposta está em análise na Câmara Legislativa.

2 A cidade planejada por Lucio Costa se baseia em quatro escalas: monumental, residencial, gregária e bucólica. A escala bucólica compreende as ‘áreas livres com cobertura vegetal e ampla arborização, destinadas principalmente à preservação ambiental, ao paisagismo e ao lazer’.

3 A solicitação feita em 21/8/2023 e as respostas podem ser vistas no link: https://brasiliaparapessoas.org/solicitacoes-de-informacoes-e-sic/2023-2/

VÍDEOS

Dois vídeos que refletem sobre devastação e (i)mobilidade em Brasília.



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Uirá Uirá Lourenço
Morador de Brasília, servidor público, ambientalista e admirador da natureza, Uirá é um batalhador incansável pela melhoria das condições de mobilidade na capital federal. Usa a bicicleta no dia a dia há mais de 25 anos e, por opção, não tem carro. A família toda pedala, caminha e usa transporte coletivo. Tem como paixão e hobby a análise da mobilidade urbana, com foco nos modos saudáveis e coletivos de transporte. Com duas câmeras e o olhar sempre atento, registra a mobilidade em Brasília e nas cidades por onde passa, no Brasil e em outros países. O acervo de imagens (fotos e vídeos), os artigos e estudos produzidos são divulgados e compartilhados com gestores públicos e técnicos, na busca de um modelo mais humano e saudável de cidade. É voluntário da rede Bike Anjo, colaborador do Mobilize e membro da Rede Urbanidade.
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